Groot Zandert não aparece nos mapas: é mais uma aldeia do que uma vila. Céu permanentemente nublado, mar acinzentado, aldeia sombria e triste. Ali na Holanda, nasceu Vincent van Gogh, que libertou a cor.
Auto-Retrato (1887); coleção de V. W. van Gogh, Laren, Holanda |
Rebelde, inclinado a solidão, até mesmo insociável - na medida em que rejeitava a realidade e a estrutura da sociedade à qual pertencia - , Vincent é um desajustado no seu lar, em sua terra, em sua sociedade. Sabe disso - e procura uma saída. Mas não consegue encontrá-la, e aceita a sugestão do pai: aos 16 anos de idade vai para Haia trabalhar com o tio, que ali fundara uma sucursal da Galeria Goupil - uma importante empresa francesa que comercia com obras e livros de arte. Aí fica três anos, durante os quais sempre insiste com o tio para viajar, para ver o mundo, para alargar seus horizontes. Mas não vai longe: de Haia é mandado para Bruxelas, onde passa dois anos. Depois, segue para Londres - sempre a serviço da Galeria de Goupil - e ali permanece dois anos e meio. Mas a falta do sol o enerva, a apática calma dos países visitados o desgasta: sonha com Paris, onde julga poder libertar-se de todas as suas frustrações, onde - acredita - possa viver na plenitude que jamais conhecera. É uma ideia fixa, reforçada pela imagem que emana de Paris, então centro cultural e artístico da Europa, já cidade-luz, ainda capital do mundo.
Em 1875, Van Gogh consegue a transferência para Paris. Deslumbra-se com as ruas, já iluminadas a gás, dinâmicas e movimentadas, fascina-se com o ininterrupto cintilar das reluzentes noites multicoloridas das grandes avenidas. Tudo o encanta, tudo o seduz: lê Flaubert, Dumas, Hugo, Rimbaud, Baudelaire; admira as campinas românticas de Coubert e os heróis épicos de Delacroix - o que se vende em matéria de pintura. Mas não gosta do emprego. Ao invés de vender os quadros da Galeria Goupil, frequenta outras galerias, dedica-se à leitura de livros sobre arte, forma opiniões próprias, discute com os clientes. Acaba indispondo-se com a freguesia. Em abril de 1876 é demitido do grupo Goupil. Tem 22 anos, muitas ilusões, muitas frustrações, nenhum plano para o futuro. Toma o caminho de casa - agora em Etten, para onde se transferiu a família. Mas este filho rebelde representa ainda, para o pai, uma decepção; para a mãe, a desilusão. Só Theo, o irmão mais moço, o compreende.
É extremamente difícil e depressivo para Vincent o ano de 1876. Sofre seguidas crises nervosas, longos períodos de mutismo e solidão, que resultam em violento misticismo. Torna-se tão fervorosamente religioso que até seu pai, embora pastor, considera exagerada a atitude do filho. No fundo, para Vincent, a religiosidade representa apenas o caminho de fuga da sociedade, da família, da realidade que o cerca. Inicialmente, realiza a fuga indo para a Inglaterra, onde tenta ensinar francês e alemão em escolas. Mas tem tão pouco conhecimento dessas línguas que a tentativa acaba logo: nem as escolas primárias o querem. Volta então à Holanda, onde se trabalha três meses numa livraria em Dordrecht, até que decide seguir a carreira do pai: será pastor. Mas será pastor entre os pobres: escreve ao irmão dizendo que a miséria o atrai.
No Natal de 1878 está em casa, magro e abatido. Agora está do seu futuro: vai para o Seminário Teológico da Universidade de Amsterdam. Reprovado por falta de base, segue um curso trimestral na Escola Evangélica, em Bruxelas, e, a pedido do pai, consegue o lugar de pregador missionário nas minas de carvão de Borinage, na Bélgica. Os mineiros desconfiam deste homem estranho, mesmo quando Van Gogh distribui o pouco que tem, mesmo quando passa a trabalhar nas minas para se identificar com a gente que tem de orientar e conduzir como pastor. Mas sua obstinação no trabalho e no sofrimento inquieta os superiores: ele não segue as diretrizes oficiais, prega pouco, preocupa-se demasiadamente com os doentes e as crianças. E, apesar das insistências superiores, não deixa de trabalhar na mina. Em julho de 1879 é demitido. Perde a fé e a saúde. A doença leva-o para casa. Convalescente, conclui que não é aquela a sua verdadeira vocação. Mas não sabe qual é.
Instala-se em Cuesmes e passa o tempo a ler, desenhando de memória as cenas de Borinage. É um despertar. Agora sabe o que quer: será pintor.
Theo já é um dos dirigentes da Galeria de Goupil. Está em Paris, introduzido no meios artísticos. Vincent almeja o mesmo. Por enquanto, com o dinheiro que o irmão lhe manda, estuda anatomia e perspectiva. Entusiasma-se com Millet, pintor realista contemporâneo, e passa os dias desenhando. Surpreende os homens e as mulheres no trabalho, na rua, no mercado, quer pintar gente viva e ativa, critica os personagens da pintura clássica, "gente que não trabalha". Mora em Bruxelas, num pequeno hotel. Está alegre e febril. Escreve ao irmão que pretende fazer "uma arte de homens", mas de homens de sua terra. Por isso, muda-se para Haia. Mas quando estuda no atelier de Anton Mauve, fica irritado e briga com o pintor. Desgostam-no as concepções acadêmicas. Escreve de novo: "Eu não quero pintar quadros, quero pintar a vida". Vida para ele são paisagens e gente, isto é, camponeses e mineiros, campos e trigais. O pintor Mauve o encoraja. O pai pastor o inibe. Um modelo - Christine - o acolhe. "Encontro em mim uma harmonia e musicalidade calma e pura", escreve então a Theo. Mas os quadro que pinta ainda são pesados e escuros. Transmitem a realidade que o pintor vê, e esta é sombria e cinzenta. Christine o abandona. A criança que deu à luz morre.
Novamente em crise, Vincent passa fome. Theo consegue levá-lo para casa. A família vive agora em Nuenen, onde o pintor passa dias tranquilos, lendo, passeando, desenhando, pintando. Mas a harmonia é interrompida. O pai morre repentinamente. Apaixonada por Vincent e não correspondida, uma moça tenta matar-se. Ele escreve a Theo: "Quando amamos sinceramente o que é realmente digno de amor, sem dispersar o amor entre as coisas insignificantes, nulas e enfadonhas, obtemos a nosso redor mais luz - e isso dá mais força". Mas ainda a luz não domina os seus quadros. Por enquanto, seus óleos são tristes e sombrios. O mais conhecido - e que resume suas concepções estéticas nesse momento - é Os Comedores de Batata (prancha I): um grupo de camponeses sentado em torno de uma mesa onde fumega um único prato de batatas. O ambiente é sombrio, os tons, escuros e empastados, uma lâmpada bruxuleante ilumina os rostos e as mãos marcados pelo trabalho e pelo cansaço, destacando-os. Já então, apesar dos quadros que pinta, Vincent escreve: "A cor expressa algo em si, simplesmente porque existe, e deve-se aproveitar isso, pois o que é belo é também verdadeiro".
O inverno de 1885/86 encontra Van Gogh em Antuérpia, onde se apaixona definitivamente pela cor, valoriza Delacroix e a pintura japonesa. Escreve a Theo: "O pintor do futuro será um colorista como nunca foi possível antes". Em fevereiro de 1886 chega a Paris. Na loja do Pai Tanguy encontra os trabalhos de Hokussai, Hirochige, Utamaro. Fica impressionado pelo que chama "uma nova maneira de representar objetos e o espaço". E pinta o retrato do Pai Tanguy (Prancha III), um quadro composto por partes que possuem valores distintos, mas que compõem um todo.
Van Gogh está morando com Theo e este é o período mais sociável da sua vida. Conhece Toulousse-Lautrec e Bernard, familiariza-se com os impressionistas Monet, Renoir, Pissarro. Um pouco mais tarde, fica íntimo de Gauguin. Reúne-se nos cafés, discute o Impressionismo, assiste à luta que envolve os impressionistas. O estilo e a forma impressionista já venceram então definitivamente. Não se concebe outra maneira de pintar. Todos os grandes pintores contemporâneos são impressionistas: Manet, Monet, renoir, Pissarro, Sisley, Morisot, Boudin, , Degas, Cézanne, Gauguin, Seurat, Toulousse-Lautrec - e a crise divide o grupo no momento em que o público e a crítica finalmente começam a aceitar e compreender a nova escola.
Foi em 1874 que a Société Anonyme des Artistes Peintres, Sculpteures et Graveurs fez sua primeira coletiva. Baseado no título de um quadro de Monet - impressão, Sol Levante -, o crítico Louis Leroy atacou todos os pintores que expunham e cuja pintura - segundo sua opinião - era "incapaz de transmitir mais do que uma simples impressão, sem valor artístico". Mas Boudin, um dos líderes do movimento, nada viu de negativo no termo, aceitou-o e lançou um manifesto, em que afirmava: "Este é o movimento que leva a pintura ao estudo da luz plena, do ar livre e da sinceridade na reprodução". A exposição de 1876, a segunda do grupo, anunciava-se "contra o espírito greco-romano" e "a organização escolástica da pintura"; já previa a morte da pintura realista. Finalmente, a partir de 1880, o público começa a aceitar o Impressionismo. A exposição reúne Degas, Morisot, Pissarro, Gauguin, junta público, é um sucesso. Mas o crítico de Le Fígaro escreve: "Com exceção de Degas e de Berthe Morisot, o resto não vale a pena de ser visto, e menos ainda discutido". Sobre os impressionistas, de modo geral, acrescenta: "É a pretenção da nulidade. Nem arte, nem estudo, figuras desproporcionadas, sempre a mesma tinturaria cheia de vácuo. Esses homens não se modificam, não podem esquecer nada, pois nada aprenderam".
Mas em 1881 Manet ganha a Medalha de Segunda Classe no Salão Oficial com o Retrato de Pertuiset, o Caçador de Leões (que está no Museu de Arte de São Paulo), e em 1882 recebe a Legião de Honra.
Em 1886 a última exposição dos impressionistas apresenta-os como grupo organizado. Signac e Seurat já se intitulam neo-impressionistas, lançam um caminho novo, baseado nas teorias físicas de Sutter, Helmholtz e Rood sobre a psicologia e a fisiologia da visão, e na análise da luz e da cor. É o Divisionismo, Cromoluminarismo ou Pontilhismo, são os extremistas do Impressionismo, que advogam a decomposição tonal por meio de minúsculas pinceladas nitidamente separadas. É o início da ruptura, pois os impressionistas usavam cores justapostas, sem entremesclar, deixando à retina a função de reconstituir o tom desejado pelo pintor, combinando as impressões registradas. Para os divisionistas, era imprescindível manter uma relação exata entre as cores complementares, a um tom de vermelho correspondendo outro de verde, existindo entre eles uma seção de suporte. A justaposição das complementares dá o aspecto inconfundível chamado pontilhismo, ridicularizado como "pintura de confete", que imortalizou Seurat.
Em oposição, os sintetistas compõem seus quadros com cores planas e unidas, livres de qualquer função descritiva ou naturalista, rompem com o Impressionismo.
Van Gogh toma de uns a prática de construir a figura por meio de pequenos toques coloridos, divididos na tela mas recompostos opticamente pela visão; e dos outros toma a arbitrariedade da cor e pinta, por exemplo, o Auto-Retrato (prancha IV), e mais de 200 quadros em dois anos.
A saúde precária de Van Gogh não resiste a esses dois anos de vida trepidante em Paris. Viver às custas do irmão cria problemas não só materiais: atormenta-lhe o espírito. Seguindo um conselho de Toulousse-Lautrec, vai para o campo, para a Provença. Em fevereiro de 1888 está em Arles, pintando ao ar livre. A vida ali é calma, tranquila, colorida. Os primeiros quadros (prancha VI e VII) não fazem muita diferença dos que pintou em Paris. Mas chega o sol de verão e Van Gogh se perturba. Entra na parte mais furiosa e produtiva de sua carreira. Liberta as cores a afirma que vai ser um "colorista arbitrário". A luz ilumina os Girassóis (prancha IX) e torna-se um tema: "Eu quero a luz que vem de dentro, quero que as cores representem as emoções". Frequenta a família Roulin e pinta Armand (prancha XII), e visita Madame Ginoux, que toma como modelo para La Mousmé, personagem de um romance de Loti.
A seu convite, Gauguin chega em outubro para trabalharem juntos, "cada um para o seu lado". Seguem-se dois meses de trabalho duro e fértil para ambos. Mas a diferença de temperamento e de atitude diante da vida acaba explodindo numa inevitável desavança. Van Gogh tem crises de humor, discute, agride o amigo, sofre de mania de perseguição e numa das crises tenta ferir Gauguin com uma navalha. Perde a luta, é levado para a cama em lágrimas e com descontrole muscular. Arrependido, corta, de propósito, um pedaço da orelha e manda num envelope à mulher que motivou a briga.
Recolhido ao hospital Saint-Paul para doente nervosos, tem alta em dez dias. Vai para casa e pinta, diante do espelho, o Auto-Retrato com a Orelha Cortada. Seu olhar é de espanto, mágoa, melancolia. As crises se sucedem com frequencia. Continua trabalhando com vigor e fúria, mas Theo não consegue vender seus quadros. Em maio de 1889 ele pede ao irmão que o interne. Vai para o hospital de Saint-Rémy. Seu quarto do hospital é transformado em atelier. Pinta sem parar, e manda dizer ao irmão que está pintando bem. Pinta inclusive a vida no hospital, os doentes, as celas, o pátio, os médicos. Pede para sair, quer pintar paisagens, e sai, vigiado por um guarda. Pinta com fervor, vive intensamente. E escreve a Theo: "Na vida de um artista a morte talvez não seja a coisa mais difícil".
Os Ciprestes (junho de 1889); acervo do Museu Metropolitano de Nova York, EUA. |
Durante meses passa bem, mas suas paisagens agridem pela violência. Quando as crises voltam, rola no chão e tem alucinações de natureza mística, ouve anjos, briga com demônios. Ao retomar a consciência fica tão abatido que não pode trabalhar. Então se queixa do tempo perdido e, quando volta a trabalhar, , pinta com desespero. Fez mais de 200 novos quadros, centenas de desenhos, e todos revelam sua luta. Theo, chamado, não pode visitar o irmão: sua mulher espera o primeiro filho. Pede a Signac, um amigo pintor, que vá visitá-lo. Signac sai impressionado com a pintura do amigo, fala dela a outros amigos, leva-os à casa de Theo para ver alguns quadros. O jornal Mercúrio de França publica um entusiástico elogio. Uma exposição na Galeria Goupil, em Bruxelas, agita a imprensa de toda a Europa, mas só vende um quadro - A Vinha Vermelha, o único que seria comprado durante a vida do pintor. Theo consegue que o Dr. Gachet, psiquiatra, pintor e amigo de pintores, consinta em cuida do irmão. Van Gogh deixa Saint-Rémy em maio de 1890. Durante três dias visita o irmão e a família, antes de embarcar para Auvers, uma cidadezinha simpática. O Dr. Gachet examina-o e comunica a Theo que a situação é grave. Resolver dar liberdade a Van Gogh para trabalhar, compra tintas, telas, instala o pintor. São deste período Os Ciprestes (prancha XIV), o Trigal com Corvos (prancha XV), o Retrato do Dr. Gachet (prancha XVI), todos violentos, conturbados. Segundo os críticos, seus melhores quadros são desta época, quando produziu mais de 200 desenhos, mais de 40 quadros. A amizade do Dr. Gachet anima Van Gogh: agora ele está feliz, agora ele confia no médico. E em si. Escreve-o em cartas a Theo. Mas, no dia seguinte, tem uma das suas piores crises. A mania de perseguição faz com que acuse o Dr. Gachet de tentar matá-lo.
Passada a crise pior, convence o médico de que precisa sair, "respirar ar puro". Em julho vai a Paris e procura os amigos Toulousse-Lautrec, Bernard, mas não procura o irmão, a quem acusa agora também de "mantê-lo afastado". Volta a Auvers mais cedo do que anunciara e não encontra o Dr. Gachet. Sente-se só e abandonado. Seus últimos quadro são um retrato exuberante do rompimento com a realidade objetiva, que ele deforma, criando uma nova realidade, toda sua, arbitrária, exaltada. Os trigais são turbulentos e inquietos, os ciprestes estão trêmulos, angustiados, cheio de tensão, as oliveiras tornam-se exaltadas e torcidas.
No dia 27 de julho de 1890 sai para o campo de trigo com um revólver na mão. É domingo, o grão está dourado, o céu está incrivelmente azul. Corvos muito pretos gritam e fogem em revoada. Dias antes ele pintara esse quadro (prancha XV). No meio do campo dá um tiro no peito.
Retrato do Dr. Gachet (julho de 1890); acervo do Museu do Louvre, Paris, França. |
Os jornais da época só abriram uma coluna, na seção policial, para noticiar uma tentativa de suicídio. Não chegaram a registrar a morte de um dos três precursores da arte moderna. Assim como Cézanne trouxe uma nova conceituação para o espaço e Gauguin introduziu um novo conceito de composição que abrangia forma e cor num todo simples e abstrato, Van Gogh contribuiu para a arte moderna com a vitória da cor sobre o desenho, libertando a cor.
Hoje o seu Café Noturno está na coleção Clark, em Nova York; Café Noturno: Exterior, no Real Museu Kröller-Müller; a Noite Estrelada, no Museu de Arte Moderna de Nova York; O Carteiro Roulin, no Museu de Boston; o Retrato do Doutor Gachet e A Igreja de Auvers estão no Louvre; o Trigal com Corvos faz parte da coleção Van Gogh em Laren. O Museu de Arte de São Paulo tem A Natureza Morta com Flores, O Escolar, Passeio ao Crepúsculo, A Arlesiana e O Banco de Pedra. Mas no dia da sua morte, no sótão da Galeria Goupil, em Paris, 700 quadros de Van Gogh amontoavam-se sem comprador.
SUA ÉPOCA
Quando Van Gogh nasceu, no ano de 1853, em Groot Zundert, nada acontecia na Holanda. O país era calmo, apenas algumas desavenças entre dois grupos religiosos - católicos e protestantes - perturbavam um pouco - e já tradicionalmente - a paz da nação. Quando, 19 anos depois, viajou para Bruxelas, nada acontece na Bélgica. O país era pacato; apenas algumas desavenças surgiam entre flamengos, que não falavam francês, e valões, que só falavam francês. E isso parecia a ambos os grupos muito mais importante do que o começo da exploração do Congo, da mesma época.
Mas nesses 19 anos aconteceram muitas coisas: estourou a Guerra de Secessão nos Estados Unidos, iniciou-se a Guerra do Paraguai na América Latina, Pasteur derrubou a teoria da geração espontânea, Marx desenvolveu suas atividades filosóficas. Mas tudo isso em nada interessou nem afetou ao jovem Van Gogh. Só na Inglaterra, já com 21 anos - em 1874 -, encontrou um turbilhão político. Disraeli torna-se então primeiro-ministro britânico e tudo o que ocorria no mundo se refletia no centro político e econômico internacional - Londres: o Concílio Vaticano I, inaugurado em 1869; o fim da Guerra do Paraguai, em 1870; a vitória alemã contra os franceses, no mesmo ano; até mesmo a revolta de Juárez, no México.
Em 1875 Van Gogh chega a Paris. Gounod, Offenbach, Saint-Saëns ali compunham; Rodin ali esculpia; Maupassant, Proudhon, Zola dominavam as letras; Manet, Monet, Gauguin pintavam, tentando impor o novo estilo, chamado Impressionismo e desprezado pelos críticos de arte. Em Paris Van Gogh é seduzido pela cintilação noturna das grande avenidas já iluminadas a gás. Frequenta exposições, museus, espetáculos de música. São os aplausos do público que determinam o sucesso de compositores como o russo Rimski-Korsakov, o alemão Brahms, o francês Bizet. Mas Van Gogh continua a levar uma vida solitária, voltada para a religião, trancando-se em seu quarto para ler a Bíblia com um amigo inglês.
A vida palpita então na Europa inteira, enriquecida cada vez mais pelas conquistas coloniais. A inglaterra ocupa a África do Sul e o Egito; a Itália, a Eritréia; a Bélgica, o Congo; a França, a Indochina e Madagáscar; a Alemanha, territórios africanos e ilhas da Oceania. E a Rússia investe contra as fronteiras asiáticas da China.
A vida palpita. Bell inventa o telefone, Otto constrói o primeiro motor a explosão, Edison inventa o microfone e o fonógrafo. A primeira lâmpada incandescente - também de Edison - ilumina as ruas de Nova York. O primeiro vagão-frigorífico aparece nas ferrovias americanas. Depois consegue transportar-se a energia elétrica a distância. Descobre-se o bacilo do tifo. Koch investe contra a tuberculose. Pasteur descobre a vacina anti-rábica. Maxim inventa a metralhadora, institui-se em Berna o Bereau Internacional da Paz.
Mas a vida de Van Gogh palpita igualmente, cada vez mais afastada da realidade do mundo. Mal sabe que a riqueza da Europa explode numa Exposição Internacional de Paris, em 1889; mal sabe quem é o engenheiro Eiffel, cuja obra - uma enorme torre de ferro - simbolizaria, a partir de então, aquela época de inconsciente regizijo; jamais ouve falar em Marey e sua cronofotografia, que abriria caminho ao cinema. Morre em 1890, um ano pacato, enquanto não acontece quase nada no mundo, e a eufórica Europa do fin-de-siècle prepara-se para festejar o século XX que se aproxima.
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SUA VIDA
1853 - 30 de março: nasce, numa pequena aldeia holandesa, Vincent Willem van Gogh, filho de pastor protestante.
1857 - 1º de maio: nasce o irmão de Vincent, Theo.
1865 - Van Gogh estuda num internato provinciano.
1869 - julho: primeiro emprego, na Galeria Goupil, em Haia; depois, em sua filial de Bruxelas.
1873 - maio: transferência para a filial londrina da Goupil.
1875 - maio: transferência para a central parisiense da Galeria Goupil.
1876 - abril: Van Gogh deixa o emprego; viaja à Inglaterra: aceita o cargo de professor em escolas primárias de pequenas cidades.
- dezembro: volta à casa dos pais.
1877 - janeiro: livreiro em Dordrecht.
- maio: ida a Amsterdam, preparação para ingresso ao Seminário Teológico da Universidade.
1878 - julho: abandona os estudos; volta à casa paterna.
- novembro: livre pregador na região mineira de Borinage.
1879 - julho: demitido de suas funções, Van Gogh inicia o período de vagabundagem pelas estradas de Borinage; primeiros desenhos.
1880 - outubro: ida a Bruxelas; aulas de perspectiva e anatomia
1881 - abril: volta à casa dos pais; conflitos familiares acerca de seu futuro.
- dezembro: ida a Haia, onde é acolhido pelo pintor Mauve; aquarelas, litografias, desenhos - temas: marinheiros, pescadores, camponeses.
1882 - julho: primeiro quadro a óleo.
1883 - setembro: mudança para Drenthe.
- dezembro: volta à casa dos pais; instalação do atelier.
1884 - agosto: amores com uma vizinha; os pais da moça opõem-se ao casamento.
1885 - março: morte do pai.
- abril: pinta Os Comedores de Batata.
- novembro: viaja a Antuérpia
1886 - janeiro: inicia os estudos na Academia de Antuérpia.
- fevereiro: viaja a Paris, onde é acolhido por Theo; abandono dos temas anteriores; período de pintura clara.
1887 - encontros com Pissarro, Degas, Gauguin, Seurat.
- frequenta o cabaré Tambourin e a loja de Tanguy.
- em dois anos pinta 200 quadros.
1888 - fevereiro: partida para Arles; período criativamente fecundo: mais de 100 quadros.
- dezembro: corta a orelha - é hospitalizado.
1889 - março: internamento em casa de saúde.
- maio: internamento em hospício, onde pinta quase 200 quadros.
1890 - atividade febril do pintor; produz 150 quadros.
- maio: tratamento em Auvers, com o Dr. Gachet.
- 27 de julho: suicídio.
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Referência bibliográfica: Gênios da Pintura: Impressionistas e pós-impressionistas, Abril Cultural, 1980