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segunda-feira, 1 de novembro de 2021

Biografia de Van Gogh

Groot Zandert não aparece nos mapas: é mais uma aldeia do que uma vila. Céu permanentemente nublado, mar acinzentado, aldeia sombria e triste. Ali na Holanda, nasceu Vincent van Gogh, que libertou a cor.

Auto-Retrato (1887);  coleção de V. W. van Gogh, Laren, Holanda
Seu pai Theodorus van Gogh, é pastor calvinista. Sua mãe, mulher ciosa e sempre tão preocupada com tudo, que sofre dos nervos. Sua casa, ampla, abastada, limpa, mas antiga, sem luz. Foi ali que Vincent passou a infância, apagada, tranquila. Afirmam seus biógrafos, quase que unanimemente, que foi uma infância enfadonha de um menino tristonho numa casa lúgubre de família severa. Infância melancólica, tédio.

Rebelde, inclinado a solidão, até mesmo insociável - na medida em que rejeitava a realidade e a estrutura da sociedade à qual pertencia - , Vincent é um desajustado no seu lar, em sua terra, em sua sociedade. Sabe disso - e procura uma saída. Mas não consegue encontrá-la, e aceita a sugestão do pai: aos 16 anos de idade vai para Haia trabalhar com o tio, que ali fundara uma sucursal da Galeria Goupil - uma importante empresa francesa que comercia com obras e livros de arte. Aí fica três anos, durante os quais sempre insiste com o tio para viajar, para ver o mundo, para alargar seus horizontes. Mas não vai longe: de Haia é mandado para Bruxelas, onde passa dois anos. Depois, segue para Londres - sempre a serviço da Galeria de Goupil - e ali permanece dois anos e meio. Mas a falta do sol o enerva, a apática calma dos países visitados o desgasta: sonha com Paris, onde julga poder libertar-se de todas as suas frustrações, onde - acredita - possa viver na plenitude que jamais conhecera. É uma ideia fixa, reforçada pela imagem que emana de Paris, então centro cultural e artístico da Europa, já cidade-luz, ainda capital do mundo.

Em 1875, Van Gogh consegue a transferência para Paris. Deslumbra-se com as ruas, já iluminadas a gás, dinâmicas e movimentadas, fascina-se com o ininterrupto cintilar das reluzentes noites multicoloridas das grandes avenidas. Tudo o encanta, tudo o seduz: lê Flaubert, Dumas, Hugo, Rimbaud, Baudelaire; admira as campinas românticas de Coubert e os heróis épicos de Delacroix - o que se vende em matéria de pintura. Mas não gosta do emprego. Ao invés de vender os quadros da Galeria Goupil, frequenta outras galerias, dedica-se à leitura de livros sobre arte, forma opiniões próprias, discute com os clientes. Acaba indispondo-se com a freguesia. Em abril de 1876 é demitido do grupo Goupil. Tem 22 anos, muitas ilusões, muitas frustrações, nenhum plano para o futuro. Toma o caminho de casa - agora em Etten, para onde se transferiu a família. Mas este filho rebelde representa ainda, para o pai, uma decepção; para a mãe, a desilusão. Só Theo, o irmão mais moço, o compreende.

É extremamente difícil e depressivo para Vincent o ano de 1876. Sofre seguidas crises nervosas, longos períodos de mutismo e solidão, que resultam em violento misticismo. Torna-se tão fervorosamente religioso que até seu pai, embora pastor, considera exagerada a atitude do filho. No fundo, para Vincent, a religiosidade representa apenas o caminho de fuga da sociedade, da família, da realidade que o cerca. Inicialmente, realiza a fuga indo para a Inglaterra, onde tenta ensinar francês e alemão em escolas. Mas tem tão pouco conhecimento dessas línguas que a tentativa acaba logo: nem as escolas primárias o querem. Volta então à Holanda, onde se trabalha três meses numa livraria em Dordrecht, até que decide seguir a carreira do pai: será pastor. Mas será pastor entre os pobres: escreve ao irmão dizendo que a miséria o atrai.

No Natal de 1878 está em casa, magro e abatido. Agora está do seu futuro: vai para o Seminário Teológico da Universidade de Amsterdam. Reprovado por falta de base, segue um curso trimestral na Escola Evangélica, em Bruxelas, e, a pedido do pai, consegue o lugar de pregador missionário nas minas de carvão de Borinage, na Bélgica. Os mineiros desconfiam deste homem estranho, mesmo quando Van Gogh distribui o pouco que tem, mesmo quando passa a trabalhar nas minas para se identificar com a gente que tem de orientar e conduzir como pastor. Mas sua obstinação no trabalho e no sofrimento inquieta os superiores: ele não segue as diretrizes oficiais, prega pouco, preocupa-se demasiadamente com os doentes e as crianças. E, apesar das insistências superiores, não deixa de trabalhar na mina. Em julho de 1879 é demitido. Perde a fé e a saúde. A doença leva-o para casa. Convalescente, conclui que não é aquela a sua verdadeira vocação. Mas não sabe qual é.

Instala-se em Cuesmes e passa o tempo a ler, desenhando de memória as cenas de Borinage. É um despertar. Agora sabe o que quer: será pintor.

Theo já é um dos dirigentes da Galeria de Goupil. Está em Paris, introduzido no meios artísticos. Vincent almeja o mesmo. Por enquanto, com o dinheiro que o irmão lhe manda, estuda anatomia e perspectiva. Entusiasma-se com Millet, pintor realista contemporâneo, e passa os dias desenhando. Surpreende os homens e as mulheres no trabalho, na rua, no mercado, quer pintar gente viva e ativa, critica os personagens da pintura clássica, "gente que não trabalha". Mora em Bruxelas, num pequeno hotel. Está alegre e febril. Escreve ao irmão que pretende fazer "uma arte de homens", mas de homens de sua terra. Por isso, muda-se para Haia. Mas quando estuda no atelier de Anton Mauve, fica irritado e briga com o pintor. Desgostam-no as concepções acadêmicas. Escreve de novo: "Eu não quero pintar quadros, quero pintar a vida". Vida para ele são paisagens e gente, isto é, camponeses e mineiros, campos e trigais. O pintor Mauve o encoraja. O pai pastor o inibe. Um modelo - Christine - o acolhe. "Encontro em mim uma harmonia e musicalidade calma e pura", escreve então a Theo. Mas os quadro que pinta ainda são pesados e escuros. Transmitem a realidade que o pintor vê, e esta é sombria e cinzenta. Christine o abandona. A criança que deu à luz morre.

Os Comedores de Batata (1885); coleção de V. W. van Gogh, Laren, Holanda.
Novamente em crise, Vincent passa fome. Theo consegue levá-lo para casa. A família vive agora em Nuenen, onde o pintor passa dias tranquilos, lendo, passeando, desenhando, pintando. Mas a harmonia é interrompida. O pai morre repentinamente. Apaixonada por Vincent e não correspondida, uma moça tenta matar-se. Ele escreve a Theo: "Quando amamos sinceramente o que é realmente digno de amor, sem dispersar o amor entre as  coisas insignificantes, nulas e enfadonhas, obtemos a nosso redor mais luz - e isso dá mais força". Mas ainda a luz não domina os seus quadros. Por enquanto, seus óleos são tristes e sombrios. O mais conhecido - e que resume suas concepções estéticas nesse momento - é Os Comedores de Batata (prancha I): um grupo de camponeses sentado em torno de uma mesa onde fumega um único prato de batatas. O ambiente é sombrio, os tons, escuros e empastados, uma lâmpada bruxuleante ilumina os rostos e as mãos marcados pelo trabalho e pelo cansaço, destacando-os. Já então, apesar dos quadros que pinta, Vincent escreve: "A cor expressa algo em si, simplesmente porque existe, e deve-se aproveitar isso, pois o que é belo é também verdadeiro".

Pai Tanguy (1887-1888); coleção de Stravos Spyros Niarchos,
Paris, França
O inverno de 1885/86 encontra Van Gogh em Antuérpia, onde se apaixona definitivamente pela cor, valoriza Delacroix e a pintura japonesa. Escreve a Theo: "O pintor do futuro será um colorista como nunca foi possível antes". Em fevereiro de 1886 chega a Paris. Na loja do Pai Tanguy encontra os trabalhos de Hokussai, Hirochige, Utamaro. Fica impressionado pelo que chama "uma nova maneira de representar objetos e o espaço". E pinta o retrato do Pai Tanguy (Prancha III), um quadro composto por partes que possuem valores distintos, mas que compõem um todo.

Van Gogh está morando com Theo e este é o período mais sociável da sua vida. Conhece Toulousse-Lautrec e Bernard, familiariza-se com os impressionistas Monet, Renoir, Pissarro. Um pouco mais tarde, fica íntimo de Gauguin. Reúne-se nos cafés, discute o Impressionismo, assiste à luta que envolve os impressionistas. O estilo e a forma impressionista já venceram então definitivamente. Não se concebe outra maneira de pintar. Todos os grandes pintores contemporâneos são impressionistas: Manet, Monet, renoir, Pissarro, Sisley, Morisot, Boudin, , Degas, Cézanne, Gauguin, Seurat, Toulousse-Lautrec - e a crise divide o grupo no momento em que o público e a crítica finalmente começam a aceitar e compreender a nova escola.

Foi em 1874 que a Société Anonyme des Artistes Peintres, Sculpteures et Graveurs fez sua primeira coletiva. Baseado no título de um quadro de Monet - impressão, Sol Levante -, o crítico Louis Leroy atacou todos os pintores que expunham e cuja pintura - segundo sua opinião - era "incapaz de transmitir mais do que uma simples impressão, sem valor artístico". Mas Boudin, um dos líderes do movimento, nada viu de negativo no termo, aceitou-o e lançou um manifesto, em que afirmava: "Este é o  movimento que leva a pintura ao estudo da luz plena, do ar livre e da sinceridade na reprodução". A exposição de 1876, a segunda do grupo, anunciava-se "contra o espírito greco-romano" e "a organização escolástica da pintura"; já previa a morte da pintura realista. Finalmente, a partir de 1880, o público começa a aceitar o Impressionismo. A exposição reúne Degas, Morisot, Pissarro, Gauguin, junta público, é um sucesso. Mas o crítico de Le Fígaro escreve: "Com exceção de Degas e de Berthe Morisot, o resto não vale a pena de ser visto, e menos ainda discutido". Sobre os impressionistas, de modo geral, acrescenta: "É a pretenção da nulidade. Nem arte, nem estudo, figuras desproporcionadas, sempre a mesma tinturaria cheia de vácuo. Esses homens não se modificam, não podem esquecer nada, pois nada aprenderam".

Mas em 1881 Manet ganha a Medalha de Segunda Classe no Salão Oficial com o Retrato de Pertuiset, o Caçador de Leões (que está no Museu de Arte de São Paulo), e em 1882 recebe a Legião de Honra.

Em 1886 a última exposição dos impressionistas apresenta-os como grupo organizado. Signac e Seurat já se intitulam neo-impressionistas, lançam um caminho novo, baseado nas teorias físicas de Sutter, Helmholtz e Rood sobre a psicologia e a fisiologia da visão, e na análise da luz e da cor. É o Divisionismo, Cromoluminarismo ou Pontilhismo, são os extremistas do Impressionismo, que advogam a decomposição tonal por meio de minúsculas pinceladas nitidamente separadas. É o início da ruptura, pois os impressionistas usavam cores justapostas, sem entremesclar, deixando à retina a função de reconstituir o tom desejado pelo pintor, combinando as impressões registradas. Para os divisionistas, era imprescindível manter uma relação exata entre as cores complementares, a um tom de vermelho correspondendo outro de verde, existindo entre eles uma seção de suporte. A justaposição das complementares dá o aspecto inconfundível chamado pontilhismo, ridicularizado como "pintura de confete", que imortalizou Seurat.

Em oposição, os sintetistas compõem seus quadros com cores planas e unidas, livres de qualquer função descritiva ou naturalista, rompem com o Impressionismo.

Van Gogh toma de uns a prática de construir a figura por meio de pequenos toques coloridos, divididos na tela mas recompostos opticamente pela visão; e dos outros toma a arbitrariedade da cor e pinta, por exemplo, o Auto-Retrato (prancha IV), e mais de 200 quadros em dois anos.

A Planície de La Crau (julho de 1888); coleção de V. W. van Gogh, Laren, Holanda.
A saúde precária de Van Gogh não resiste a esses dois anos de vida trepidante em Paris. Viver às custas do irmão cria problemas não só materiais: atormenta-lhe o espírito. Seguindo um conselho de Toulousse-Lautrec, vai para o campo, para a Provença. Em fevereiro de 1888 está em Arles, pintando ao ar livre. A vida ali é calma, tranquila, colorida. Os primeiros quadros (prancha VI e VII) não fazem muita diferença dos que pintou em Paris. Mas chega o sol de verão e Van Gogh se perturba. Entra na parte mais furiosa e produtiva de sua carreira. Liberta as cores a afirma que vai ser um "colorista arbitrário". A luz ilumina os Girassóis (prancha IX) e torna-se um tema: "Eu quero a luz que vem de dentro, quero que as cores representem as emoções". Frequenta a família Roulin e pinta Armand (prancha XII), e visita Madame Ginoux, que toma como modelo para La Mousmé, personagem de um romance de Loti.

Girassóis (1888); coleção de V. W. van Gogh, Laren, Holanda.
A seu convite, Gauguin chega em outubro para trabalharem juntos, "cada um para o seu lado". Seguem-se dois meses de trabalho duro e fértil para ambos. Mas a diferença de temperamento e de atitude diante da vida acaba explodindo numa inevitável desavança. Van Gogh tem crises de humor, discute, agride o amigo, sofre de mania de perseguição e numa das crises tenta ferir Gauguin com uma navalha. Perde a luta, é levado para a cama em lágrimas e com descontrole muscular. Arrependido, corta, de propósito, um pedaço da orelha e manda num envelope à mulher que motivou a briga.

Recolhido ao hospital Saint-Paul para doente nervosos, tem alta em dez dias. Vai para casa e pinta, diante do espelho, o Auto-Retrato com a Orelha Cortada. Seu olhar é de espanto, mágoa, melancolia. As crises se sucedem com frequencia. Continua trabalhando com vigor e fúria, mas Theo não consegue vender seus quadros. Em maio de 1889 ele pede ao irmão que o interne. Vai para o hospital de Saint-Rémy. Seu quarto do hospital é transformado em atelier. Pinta sem parar, e manda dizer ao irmão que está pintando bem. Pinta inclusive a vida no hospital, os doentes, as celas, o pátio, os médicos. Pede para sair, quer pintar paisagens, e sai, vigiado por um guarda. Pinta com fervor, vive intensamente. E escreve a Theo: "Na vida de um artista a morte talvez não seja a coisa mais difícil".

Os Ciprestes (junho de 1889); acervo do Museu Metropolitano de Nova York, EUA.
Durante meses passa bem, mas suas paisagens agridem pela violência. Quando as crises voltam, rola no chão e tem alucinações de natureza mística, ouve anjos, briga com demônios. Ao retomar a consciência fica tão abatido que não pode trabalhar. Então se queixa do tempo perdido e, quando volta a trabalhar, , pinta com desespero. Fez mais de 200 novos quadros, centenas de desenhos, e todos revelam sua luta. Theo, chamado, não pode visitar o irmão: sua mulher espera o primeiro filho. Pede a Signac, um amigo pintor, que vá visitá-lo. Signac sai impressionado com a pintura do amigo, fala dela a outros amigos, leva-os à casa de Theo para ver alguns quadros. O jornal Mercúrio de França publica um entusiástico elogio. Uma exposição na Galeria Goupil, em Bruxelas, agita a imprensa de toda a Europa, mas só vende um quadro - A Vinha Vermelha, o único que seria comprado durante a vida do pintor. Theo consegue que o Dr. Gachet, psiquiatra, pintor e amigo de pintores, consinta em cuida do irmão. Van Gogh deixa Saint-Rémy em maio de 1890. Durante três dias visita o irmão e a família, antes de embarcar para Auvers, uma cidadezinha simpática. O Dr. Gachet examina-o e comunica a Theo que a situação é grave. Resolver dar liberdade a Van Gogh para trabalhar, compra tintas, telas, instala o pintor. São deste período Os Ciprestes (prancha XIV), o Trigal com Corvos (prancha XV), o Retrato do Dr. Gachet (prancha XVI), todos violentos, conturbados. Segundo os críticos, seus melhores quadros são desta época, quando produziu mais de 200 desenhos, mais de 40 quadros. A amizade do Dr. Gachet anima Van Gogh: agora ele está feliz, agora ele confia no médico. E em si. Escreve-o em cartas a Theo. Mas, no dia seguinte, tem uma das suas piores crises. A mania de perseguição faz com que acuse o Dr. Gachet de tentar matá-lo.

Trigal com Corvos (julho de 1890); coleção de V. W. van Gogh, Laren, Holanda.
Passada a crise pior, convence o médico de que precisa sair, "respirar ar puro". Em julho vai a Paris e procura os amigos Toulousse-Lautrec, Bernard, mas não procura o irmão, a quem acusa agora também de "mantê-lo afastado". Volta a Auvers mais cedo do que anunciara e não encontra o Dr. Gachet. Sente-se só e abandonado. Seus últimos quadro são um retrato exuberante do rompimento com a realidade objetiva, que ele deforma, criando uma nova realidade, toda sua, arbitrária, exaltada. Os trigais são turbulentos e inquietos, os ciprestes estão trêmulos, angustiados, cheio de tensão, as oliveiras tornam-se exaltadas e torcidas.

No dia 27 de julho de 1890 sai para o campo de trigo com um revólver na mão. É domingo, o grão está dourado, o céu está incrivelmente azul. Corvos muito pretos gritam e fogem em revoada. Dias antes ele pintara esse quadro (prancha XV). No meio  do campo dá um tiro no peito.

Retrato do Dr. Gachet (julho de 1890); acervo do Museu do
Louvre, Paris, França.
Socorrido pelo filho do Dr. Gachet, está lúcido e tranquilo. Passa a noite fumando cachimbo e esperando o irmão. No dia 29, ainda lúcido e tranquilo, morre segurando a mão de Theo, com o Dr. Gachet a seu lado. Cinco minutos depois de dizer ao irmão: "A miséria não tem fim".
Os jornais da época só abriram uma coluna, na seção policial, para noticiar uma tentativa de suicídio. Não chegaram a registrar a morte de um dos três precursores da arte moderna. Assim como Cézanne trouxe uma nova conceituação para o espaço e Gauguin introduziu um novo conceito de composição que abrangia forma e cor num todo simples e abstrato, Van Gogh contribuiu para a arte moderna com a vitória da cor sobre o desenho, libertando a cor.

Hoje o seu Café Noturno está na coleção Clark, em Nova York; Café Noturno: Exterior, no Real Museu Kröller-Müller; a Noite Estrelada, no Museu de Arte Moderna de Nova York; O Carteiro Roulin, no Museu de Boston; o Retrato do Doutor Gachet e A Igreja de Auvers estão no Louvre; o Trigal com Corvos faz parte da coleção Van Gogh em Laren. O Museu de Arte de São Paulo tem A Natureza Morta com Flores, O Escolar, Passeio ao Crepúsculo, A Arlesiana e O Banco de Pedra. Mas no dia da sua morte, no sótão da Galeria Goupil, em Paris, 700 quadros de Van Gogh amontoavam-se sem comprador.

SUA ÉPOCA
Quando Van Gogh nasceu, no ano de 1853, em Groot Zundert, nada acontecia na Holanda. O país era calmo, apenas algumas desavenças entre dois grupos religiosos - católicos e protestantes - perturbavam um pouco - e já tradicionalmente - a paz da nação. Quando, 19 anos depois, viajou para Bruxelas, nada acontece na Bélgica. O país era pacato; apenas algumas desavenças surgiam entre flamengos, que não falavam francês, e valões, que só falavam francês. E isso parecia a ambos os grupos muito mais importante do que o começo da exploração do Congo, da mesma época.

Mas nesses 19 anos aconteceram muitas coisas: estourou a Guerra de Secessão nos Estados Unidos, iniciou-se a Guerra do Paraguai na América Latina, Pasteur derrubou a teoria da geração espontânea, Marx desenvolveu suas atividades filosóficas. Mas tudo isso em nada interessou nem afetou ao jovem Van Gogh. Só na Inglaterra, já com 21 anos - em 1874 -, encontrou um turbilhão político. Disraeli torna-se então primeiro-ministro britânico e tudo o que ocorria no mundo se refletia no centro político e econômico internacional - Londres: o Concílio Vaticano I, inaugurado em 1869; o fim da Guerra do Paraguai, em 1870; a vitória alemã contra os franceses, no mesmo ano; até mesmo a revolta de Juárez, no México.

Em 1875 Van Gogh chega a Paris. Gounod, Offenbach, Saint-Saëns ali compunham; Rodin ali esculpia; Maupassant, Proudhon, Zola dominavam as letras; Manet, Monet, Gauguin pintavam, tentando impor o novo estilo, chamado Impressionismo e desprezado pelos críticos de arte. Em Paris Van Gogh é seduzido pela cintilação noturna das grande avenidas já iluminadas a gás. Frequenta exposições, museus, espetáculos de música. São os aplausos do público que determinam o sucesso de compositores como o russo Rimski-Korsakov, o alemão Brahms, o francês Bizet. Mas Van Gogh continua a levar uma vida solitária, voltada para a religião, trancando-se em seu quarto para ler a Bíblia com um amigo inglês.

A vida palpita então na Europa inteira, enriquecida cada vez mais pelas conquistas coloniais. A inglaterra ocupa a África do Sul e o Egito; a Itália, a Eritréia; a Bélgica, o Congo; a França, a Indochina e Madagáscar; a Alemanha, territórios africanos e ilhas da Oceania. E a Rússia investe contra as fronteiras asiáticas da China.

A vida palpita. Bell inventa o telefone, Otto constrói o primeiro motor a explosão, Edison inventa o microfone e o fonógrafo. A primeira lâmpada incandescente - também de Edison - ilumina as ruas de Nova York. O primeiro vagão-frigorífico aparece nas ferrovias americanas. Depois consegue transportar-se a energia elétrica a distância. Descobre-se o bacilo do tifo. Koch investe contra a tuberculose. Pasteur descobre a vacina anti-rábica. Maxim inventa a metralhadora, institui-se em Berna o Bereau Internacional da Paz.

Mas a vida de Van Gogh palpita igualmente, cada vez mais afastada da realidade do mundo. Mal sabe que a riqueza da Europa explode numa Exposição Internacional de Paris, em 1889; mal sabe quem é o engenheiro Eiffel, cuja obra - uma enorme torre de ferro - simbolizaria, a partir de então, aquela época de inconsciente regizijo; jamais ouve falar em Marey e sua cronofotografia, que abriria caminho ao cinema. Morre em 1890, um ano pacato, enquanto não acontece quase nada no mundo, e a eufórica Europa do fin-de-siècle prepara-se para festejar o século XX que se aproxima.

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SUA VIDA
1853 - 30 de março: nasce, numa pequena aldeia holandesa, Vincent Willem van Gogh, filho de pastor protestante.
1857 - 1º de maio: nasce o irmão de Vincent, Theo.
1865 - Van Gogh estuda num internato provinciano.
1869 - julho: primeiro emprego, na Galeria Goupil, em Haia; depois, em sua filial de Bruxelas.
1873 - maio: transferência para a filial londrina da Goupil.
1875 - maio: transferência para a central parisiense da Galeria Goupil.
1876 - abril: Van Gogh deixa o emprego; viaja à Inglaterra: aceita o cargo de professor em escolas primárias de pequenas cidades.
         - dezembro: volta à casa dos pais.
1877 - janeiro: livreiro em Dordrecht.
         - maio: ida a Amsterdam, preparação para ingresso ao Seminário Teológico da Universidade.
1878 - julho: abandona os estudos; volta à casa paterna.
         - novembro: livre pregador na região mineira de Borinage.
1879 - julho: demitido de suas funções, Van Gogh inicia o período de vagabundagem pelas estradas de Borinage; primeiros desenhos.
1880 - outubro: ida a Bruxelas; aulas de perspectiva e anatomia
1881 - abril: volta à casa dos pais; conflitos familiares acerca de seu futuro.
         - dezembro: ida a Haia, onde é acolhido pelo pintor Mauve; aquarelas, litografias, desenhos - temas: marinheiros, pescadores, camponeses.
1882 - julho: primeiro quadro a óleo.
1883 - setembro: mudança para Drenthe.
         - dezembro: volta à casa dos pais; instalação do atelier.
1884 - agosto: amores com uma vizinha; os pais da moça opõem-se ao casamento.
1885 - março: morte do pai.
         - abril: pinta Os Comedores de Batata.
         - novembro: viaja a Antuérpia
1886 - janeiro: inicia os estudos na Academia de Antuérpia.
         - fevereiro: viaja a Paris, onde é acolhido por Theo; abandono dos temas anteriores; período de pintura clara.
1887 - encontros com Pissarro, Degas, Gauguin, Seurat.
         - frequenta o cabaré Tambourin e a loja de Tanguy.
         - em dois anos pinta 200 quadros.
1888 - fevereiro: partida para Arles; período criativamente fecundo: mais de 100 quadros.
         - dezembro: corta a orelha - é hospitalizado.
1889 - março: internamento em casa de saúde.
         - maio: internamento em hospício, onde pinta quase 200 quadros.
1890 - atividade febril do pintor; produz 150 quadros.
         - maio: tratamento em Auvers, com o Dr. Gachet.
         - 27 de julho: suicídio.

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Referência bibliográfica: Gênios da Pintura: Impressionistas e pós-impressionistas, Abril Cultural, 1980

terça-feira, 7 de maio de 2013

Biografia de Rafael Sanzio

Retrato de Menino. Ashmolean Museum,
Oxford. Esta tela é um presumível auto-retrato
Ao fim do século XV, a Itália ainda estava longe de recuperar a unificação política perdida com o esfacelamento do Império Romano. O feudalismo que retalhava o país ainda iria perdurar, à espera do herói que séculos mais tarde viria edificar a identidade nacional.

Entretanto, distante dos campos de batalha, outras reformas e revoluções se processavam ou amadureciam em silêncio. A rivalidade militar e política gerava, como reflexo, poderosa emulação nas artes. Paralelamente, a invenção da imprensa abria caminho para a divulgação das obras clássicas da cultura grega, preâmbulo do mais notável movimento artístico e literário da cultura ocidental: o Renascimento.
Na pintura, o clima favorável à renovação de conceitos produziria três gênios que constituem o tríplice expoente da pintura renascentista. Leonardo da Vinci acabaria com as limitações ortodoxas, ao introduzir o conceito de chiaroscuro no espaço pictórico. Michelangelo reviveria a concepção helênica da luta do homem contra o universo. O caráter épico da lenda de Prometeu – expressão mitológica da concepção grega – estaria vigoroso e vivo nas figuras brotadas do pincel e do cinzel de Michelangelo.
Em contraste com a vida e o temperamento tumultuados de seus eméritos contemporâneos, um terceiro pintor a arquiteto viria promover uma doce revolução, compatível com seu temperamento sereno: Rafael Sanzio (grifo nosso). A inovação característica de sua arte consistiu fundamentalmente na introdução de uma tendência para a beleza ideal, inspirada nos conceitos artísticos da Antiguidade.
Em 1483, quando nasceu Rafael, o Ducado de Urbino vivia uma época de paz e de prosperidade. O Duque Federico de Montefeltro havia logrado elevar o feudo a uma condição de respeitável potência militar. Assegurada a estabilidade política, o espírito regional então prevalescente levara o duque a incentivar o desenvolvimento das artes em Urbino. O palácio ducal projetado por Luciano Laurano exibia majestosas obras de pintura e de escultura, assinadas pelos mais famosos artistas da época: Piero della Francesca, Melorzo da Forli e Signorelli, além do flamengo Justus da Ghent.
Além dessa atmosfera receptiva e estimulante, Rafael disporia na infância de mais um fator contribuinte para sua iniciação. O pai, Giovanni de Santi, fazia da pintura seu meio de vida. Embora a dedicação do velho De Santi em relação à arte fosse um caso de amor não correspondido, sua mediocridade nunca o desanimou. Ao contrário, generosamente hospedou em sua casa o famoso Piero della Francesca, quando este foi contratado pelo duque para a decoração do palácio. Segundo as crônicas, o pai do Rafael nunca demonstrou qualquer hostilidade para os pintores contratados em outras cidades. Embora preterido, De Santi parecia reconhecer modestamente os méritos superiores de seus colegas.
Vênus e Psiquê. Museu do Louvre, Paris.
Um momento de simplicidade de Rafael.
Apesar da categoria secundária de sua arte, assim mesmo Giovanni de Santi não chegava a ser um pintor completamente desprezível. Alguns dos trabalhos a ele atribuídos chegam a pôr em dúvida os críticos de hoje: não se trataria de algum quadro produzido por Rafael Sanzio durante a juventude?
A vida de Rafael, durante a infância, está mal documentada. Sabe-se apenas que acompanhou o pai numa visita feita ao famoso Perugino, que desfrutava então o apogeu de sua fama. Amigo de Perugino como de outros pintores e artistas famosos, Giovanni de Santi supostamente introduziu Rafael no ofício a arte da pintura. Pode-se imaginar que Rafael haja servido o pai como assistente e que a revelação do talento do garoto tenha enchido de esperança o coração do velho. O contato com Perugino terá sido um provável prosseguimento à formação precoce de Rafael.
Efetivamente, os primeiros trabalhos de Rafael irão apresentar forte influência do estilo de Perugino: composição equilibrada, sem nenhum congestionamento de detalhes, fervor religioso e um toque de convencionalismo em sua tendência para a idealização lírica.
Mas o ambiente familiar tão favorável seria perdido prematuramente: a mãe de Rafael morreu quando ele tinha dez anos. O pai, que tornara a casar meses depois, viria a falecer no ano seguinte. Rafael, então com onze anos, viu-se confiado à tutela de um tio materno e outros parentes, embora vivesse na mesma casa. Mas o pai ainda lhe valeria, mesmo depois de morto. Evangelista di Pian di Meleto, que havia sido discípulo de Giovanni de Santi, proporciona a Rafael a orientação e o estímulo momentaneamente perdidos com a morte do pai. E Perugino, com igual solicitude, dispõe-se a ensinar ao adolescente muito mais do que ele poderia ter aprendido com o pai ou com Pian di Meleto.
Desenho para A Deposição, primeira tentativa rafaelesca
de um quadro histórico.
A partir de dezoito anos, Rafael já é um pintor independente, que recebe encomendas diretas e lentamente vai propagando sua fama por cidades vizinhas. O marco de sua emancipação artística terá sido certamente a “pala” dedicada ao Beato Nicola de Tolentino, comissionada pela igreja de Santo Agostinho, em Castello. Desta obra perdida existem apenas os desenhos preparatórios e esboços, além de um fragmento. Mas documentos da época indicam que Rafael a teria concluído em 1501.
Começa então prolífera produção. O ritmo acelerado do trabalho, bem como a disposição de aceitar encargos e responsabilidades, logo viriam a construir uma característica do gênio e da personalidade de Rafael. Até 1504, desfruta a fama provinciana que se propaga através de numerosos trabalhos. Então, ainda com 21 anos, Rafael parece subitamente saciado daquilo que lhe poderia ensinar a região de Urbino. Significativamente, é nesse ano de 1504 que concluiu o seu primeiro quadro datado e assinado (As Núpcias da Virgem). Na interpretação de alguns historiadores a decisão de datar e assinar um quadro aos 21 anos poderia indicar que só então Rafael passava a reconhecer sua qualidade de pintor de categoria.
Outros indícios concorrem para sublinhar tal senso crítico. Em 1504, o mundo artístico de Urbino fervilhava com os comentários sobre os trabalhos maravilhosos de Leonardo e Michelangelo, em Florença. Rafael decidiu que horizontes mais amplos que o de sua província deveriam ser buscados na cidade em que pontificavam os maiores nomes da pintura italiana de todos os tempos. Compreendeu também que jamais deixaria a semi-obscuridade em que se achava se se deixasse anestesiar pelo sucesso tranqüilo que já desfrutava na corte de Urbino. Animado por sua ambição, abandona a posição já conquistada e parte para Florença.
O período de 1504 a 1508, vivido por Rafael em Florença, foi decisivo para sua formação e para amadurecimento de sua arte. Na capital artística da Itália renascentista assimilou tudo o que as correntes contemporâneas lhe podiam oferecer, em técnica, conceitos de expressão e influência cultural da antiguidade.
Durante esses quatro anos, trabalha com fervor característico. Produz quadros e quadros, especialmente madonas. Por algum obscuro fator sociológico, o apelo místico de Maria exerce até hoje incomparável fascínio sobre os italianos. Dificilmente se encontraria, na mesma época de Rafael, uma casa que não dispusesse de pelo menos uma imagem da mãe de Jesus.
Para Rafael, com esse tema de apelo popular será o predileto. Apesar disso, não é com ele que consegue o seu melhor desempenho: faltam as suas madonas tanto a fidelidade de retratação da natureza humana quanto a sinceridade religiosa como expressão mística. As madonas de Rafael deixam transparecer a infiltração de um elemento profano. Não são retratos de santas, porque a sensualidade eclipsa a emoção mística que deveriam apresentar. E tão pouco chegam a ser figuras humanas, porque, embora adoráveis, sua beleza é invadida por a abstração idealista. Numa frase, são humanas demais para serem místicas e idealizadas demais para serem humanas.
O talento de Rafael como caracterizador irá aparecer nos retratos de personalidades que pintará poucos anos depois.
Numa carta escrita a seu tio e tutor, em 1508, Rafael Sanzio fala de suas esperanças de trabalhar na França, de onde lhe acenam com algumas encomendas. Mas outra perspectiva igualmente sedutora e viável é a de transferir-se para Roma, onde poderia dispor de boas relações. Logo depois, no mesmo ano, segue para lá encorajado pelas informações a respeito de amplas oportunidades abertas para os artistas.
A primeira dessas grandes oportunidades surge logo depois de Rafael haver chegado a Roma. O Papa Júlio II decidira mudar-se da mansão dos Bórgias, habitada por seu odiado antecessor Alexandre VI, pai de César e Lucrécia Bórgia. O fausto da corte papal, bem como os costumes do próprio Júlio II (denunciados por Erasmo em seu Elogio da Loucura), tornavam Roma uma cidade famosa por seu mundanismo, e, ao mesmo tempo, um polo do mundo artístico.
Para a decoração de sua nova residência, Júlio II havia contratado Sodoma, Bramantino, Lotto e Peruzzi. Por influência de seu conterrâneo Bramante, arquiteto da Basílica de São Pedro, e com recomendações da corte ducal de Urbino, Rafael conseguiu incluir-se na equipe de artistas recrutados.
A oportunidade foi bem aproveitada. Em pouco tempo, Júlio II se convence do talento superior do jovem e, por decreto papal, nomeia-o responsável pela direção dos trabalhos. Com 26 anos, já é uma personalidade invejada e admirada. Não obstante as intrigas de detratores, aceita resolutamente o desafio de pintar em grandes áreas, num clima artístico inteiramente diverso daquele em que havia formado.
A Escola de Atenas (770 x 550 cm). Palácio do Vaticano, Roma

O grande afresco A Escola de Atenas (prancha X), terminado em 1511, estabelece outro marco na carreira fulminante de Rafael. Essa obra, para decoração da Stanza dela Segnatura, no Vaticano, é fusão singular de uma idealização soberba com sua realização visual. Como nas madonas, as figuras representam um meio-termo entre o abstrato e o real. A disposição e a atitude das figuras são quase teatrais, numa ostentação de majestade que visa provocar profunda impressão.
A característica tendência à idealização é reconhecida por Rafael numa carta endereçada a Baldassare Castiglione, “árbitro da elegância” na corte de Urbino: “Devo dizer-lhe que, para pintar o retrato de uma bela mulher, eu teria de realmente ver muitas mulheres belas e teria de impor como condição que Vossa Senhoria me ajudasse a selecionar a melhor. Mas, como são raros os bons juízes e as belas mulheres, tenho que me arranjar com as ideias que me cruzam a mente”.
Embora as majestosas figuras de A Escola de Atenas pareçam efetivamente “ansiosas por ensinar ou aprender”, a função verdadeira de cada uma delas é incorporar a beleza física de suas atitudes, sublimadas pelo ideal que as anima. Mais que um testemunho da cultura antiga, portanto, é pura criação de beleza idealizada.
Retrato de Cardeal (79 x 62 cm).
Museu do Prado, Madri.

O prestígio artístico de Rafael na corte papal haveria de criar-lhe oportunidade de pintar um famoso Retrato de Cardeal (prancha XV), obra exponencial que irá definir seu gênio de retratista. Os historiadores viram frustrados todos os esforços para identificar o cardeal que serviu de modelo, mas isso não afeta os méritos da obra, pois a figura é um arquétipo. Nesse retrato, reedita-se a fusão de expressão caracterológica com a idealização típica: é a qualidade aristocrática da pintura que lhe confere dignidade.
O soberbo padrão técnico pode ser apreciado com exame de um único aspecto: sem nenhuma fratura de ritmo, o escarlate intenso e rico parece ter vida em cada um dos planos que, embora distintos, não chegam a afetar a continuidade.
No ano seguinte, 1512, o estilo de Rafael apresenta algo novo. Talvez por influência da escola veneziana (uma possibilidade derivada de sua admiração por Sebastiano del Piombo), os tons pálidos e apastelados de A Escola de Atenas cedem lugar a cores mais vivas, de fundo e de figuras. O afresco A Missa de Bolsena (prancha IX) marca esse declarado contraste.
A Missa de Bolsena (450 x 660). Palácio do Vaticano, Roma

A decoração do palácio papal, a par de prestígio, fama e dinheiro, trouxe para Rafael a contrapartida da inveja e das intrigas. Alguns dos opositores viam na preferência pelo seu estilo uma opção excludente e injusta para com Michelangelo. As duas facções de admiradores sustentaram essa estéril polêmica durante toda a vida de Rafael, e mesmo depois. Talvez se possa ver alguma influência dos trabalhos de Michelangelo sobre a obra do jovem sucessor, mas a verdade é que o espírito épico teria sido muito forte para o temperamento de Rafael. Embora alguns críticos vejam no Incêndio da Aldeia uma suposta influência da decoração de Michelangelo na Capela Sistina, a verdade é que os dois pintores trilharam caminhos diferentes, conforme as exigências da personalidade de cada um.
A morte de Júlio II, 1513, privou Rafael de uma importante proteção, mas o sucessor do papa parecia ainda mais generoso em sua admiração pelo jovem pintor. Assim, quando a morte de Bramante criou o problema de se dar continuidade às obras da Basílica de São Pedro, 1514, o Papa Leão X nomeou Rafael para o posto de arquiteto-chefe. A designação era consagradora e, ao mesmo tempo, mais um desafio que ele confiantemente aceitava. Em carta endereçada ao tio diz: “Sinto-me compelido a ficar em Roma, por causa da obra de construção da Basílica de São Pedro, em que sucedi Bramante. Que cidade no mundo é maior que Roma, e que edifício é maior que a Basílica de São Pedro? É o templo capital do mundo, a maior construção que já se viu. Custará mais de 1 milhão em ouro. E – deixe-me dizer-lhe – o papa gastará 60 000 ducados nela este ano; ele não pode pensar noutra coisa”.
Mas para Rafael ainda não bastava estar empenhado num trabalho que ocupava as preocupações centrais do papa. Seu entusiasmo sobre a época, a vida e a juventude o levava a aceitar numerosos trabalhos ao mesmo tempo, numa dispersão otimista. A um tempo dirigia as obras da basílica, decorava as câmaras do Vaticano, pintava quadro como O Elefante (presenteado a Leão X pelo rei de Portugal) e ainda conseguia achar tempo para pintar os cartões das tapeçarias da Capela Sistina.
Leão X não o deixava em paz. Encomendou-lhe a ilustração de um livro bíblico e nomeou “Superintendente das Ruas de Roma”, um cargo que o fazia responsável pelo aspecto urbano da cidade. Na busca dos materiais requeridos pela construção da basílica, o papa decidiu aproveitar fragmentos de mármores obtidos em escavações arqueológicas. E, para assegurar-se de que nenhum tesouro artístico se extraviaria nem seria mutilado, decretou que todo pedaço de mármore achado em escavações só poderia ser cortado e trabalhado com a presença de Rafael.
Com tantos encargos oficiais, o artista ainda pinta, proliferamente. Produz os afrescos para a decoração da sala de banho do Cardeal bibbiera, constrói a capela na Igreja Santa Maria del Popolo, executa os adornos murais dessa capela e também os de Santa Maria della Pace, cria modelos para esculturas a serem feitas por Lorenzetti e Alvise, desdobra-se no atendimento de custosas encomendas.
Em 1518, chefe de uma equipe de escultores, pintores e arquitetos, Rafael é contratado pelo riquíssimo banqueiro Chigui para decorar sua residência de verão, Farnesina. Nessa obra famosa, entretanto, a maior parte do trabalho provavelmente coube aos seus assistentes. Com certeza, sabe-se que ele terá pintado sem ajuda apenas do afresco Galatéia.
A par de sua importância artística, a decoração do Palácio de Farnesina representava para Rafael a consagração também na elite social (os temas não eram religiosos). Mas não a consagração unânime do mundo artístico, pois a inauguração da obra reascendeu as polêmicas, num clima de escândalo. Os seguidores de Michelangelo não escondiam sua reação depreciativa, como o comprova a carta escrita por Leonardo Sellaio a seu mestre: “O teto de Agostinho Chigi foi descerrado hoje; a decoração é uma vergonha para um grande mestre”.
O célebre Sebastiano del Piombotambém escreve a Michelangelo uma carta semelhante, a propósito de dois quadros de Rafael: “Lamento que você não estivesse em Roma para ver dois quadros que foram embarcados para a França. Você não poderia imaginar, devo dizer, nada contrário ao seu gosto”.
Leve-se em conta, porém, que nos propósitos dessas cartas deverá pesar uma generosa tentativa de consolação para Michelangelo, que retornara a Florença por não encontrar encomendas em Roma, depois de ter concluído a decoração da Capela Sistina. O sucesso de Rafael deveria constituir amarga notícia , que o círculo de amigos tentava amenizar a depreciação do talentoso jovem que chegara a Roma para desalojar Michelangelo do foco de interesse local.
Em 1520, uma estranha doença, contraída durante as escavações arqueológicas que empreendia em Roma, abateu inapelavelmente o organismo frágil de Rafael. Em 6 de abril de 1520, com 37 anos, o artista expira. Como no dia de seu nascimento, é Sexta-feira Santa, uma coincidência que acentua o pesar reinante. Sepultado no Panteon de Roma, recebeu como epitáfio as palavras comovidas de seu amigo Pietro Bembo: “Aqui jaz Rafael; quando vivia, a natureza temia ser por ele vencida; agora está morto, ela própria teme morrer”.

Sua Vida
1483 - ano de nascimento, a 6 de abril, em Urbino.
1493 - falecimento da mãe.
1494 - falecimento do pai.
1501 - completa seu primeiro quadro, junto com Pian di Meleto: a "pala" do Beato Nicola de Tolentino.
1504 - completa seu primeiro quadro datado e assinado. As Núpcias da Virgem; essa obra marca o fim fa formação provinciana de Rafael Sanzio que, no mesmo ano, parte para Florença.
1508 - ano provável de sua mudança para Roma.
1509 - nomeado o pintor do palácio pontifício, por Júlio II.
1513 - morre Júlio II, sucedido por Leão X, que dá a Rafael proteção ainda mais generosa.
1514 - sucede a Bramante, como arquiteto encarregado da construção da Basílica de São Pedro.
1515 - nomeado "Superintendente das Ruas de Roma", fica responsável pelo patrimônio histórico da cidade.
1518 - conclui a decoração da Farnesina, para o banqueiro Chigi, obra inaugurada sob controvérsia crítica.
1520 - acometido por "febre contínua e aguda", de causas obscuras, expira em 6 de abril.
Referência Bibliográfica: Genios da Pintura: Góticos e Renascentistas, Abril Cultural, 1980 

LISTA DE PINTURAS
http://pt.wikipedia.org/wiki/Anexo:Lista_de_pinturas_de_Rafael 

quinta-feira, 18 de abril de 2013

Moça no Maia

(Obra de Aminhart - Moça no Maia, 2010 - óleo s/tela 50x70cm)
Bosque Maia em Guarulhos visto por uma perspectiva geométrica e abstrata.

terça-feira, 17 de abril de 2012

Exposição: Guarulhos 450 anos de História

A exposição contou com cerca de 50 obras de 22 artistas, que apresentaram trabalhos nos segmentos acadêmico, moderno e contemporâneo. A exposição teve como temática a cidade, suas histórias, paisagens e personagens, buscando reunir, valorizar e divulgar a produção artística, bem como promover o intercâmbio entre diferentes manifestações. No local, o público encontrou pinturas, desenhos, gravuras, esculturas, fotografias, instalações, entre outras expressões artísticas.
(Obra de Aminhart - Cartão postal-Calçadão Dom Pedro - óleo s/tela 150x200cm)

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Exposição HERÓIS Mitos&Imagens

Compareça a nossa exposição que será realizada a partir do dia 5 de Julho, na Biblioteca Monteiro Lobato - Centro - Guarulhos.
A VERNISSAGE SERÁ NO DIA 31 DE JULHO A PARTIR DAS 19h!!!!

segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Procurando animação para suas festas? A Eventos Cócegas tem como atrações: Show com Palhaços, Maquiagem Artística, Escultura em balão, Decoração para festa e muito mais!!! Interessado em entretenimento para seus eventos, contrate a Eventos Cócegas. Tels: 8207-7300 / 6769-3338 (Willio) Email: williosb@gmail.com doralice.odilla@gmail.com (Doralice)

quinta-feira, 31 de julho de 2008

Xilogravura - Planta Liberdade LTDA

Título da Obra: Planta Liberdade LTDA. Técnica: Xilogravura Material: Canson Dimensão: 42,0 X 59,4 cm Ano de execução: 2007
Exposta no 7º Salão de Arte de Guarulhos no Centro Educacional Adamastor Descrição da obra: Esta obra foi feita com a intenção de mostrar como é a figura de um trabalhador dentro de uma empresa. As separações em setores que, de tanto se preocupar em organizar, acabam gerando um verdadeiro isolamento de uns aos outros. O coordenador deste espaço de trabalho não se preocupa com o “eu” do funcionário, mas sim com o cumprimento ao menor custo de sua função. Torna-se mais uma peça no meio de trabalho, um número na produção. A estrutura da obra se baseia em uma planta com diagramas que exprimem tanto uma separação física em departamentos, como uma setorização que sustenta o funcionamento da empresa. Textos, números e símbolos são integrados esquematicamente. O uso dos números traz uma idéia quantitativa. Os textos têm como objetivo definir e rotular não só o espaço, mas as pessoas que trabalham nesse ambiente. Os símbolos sugerem os efeitos de condutas interpessoais: tanto o operário quanto o patrão tem seus rostos apagados; um por fazer parte de uma massa anônima, o outro por estar distante hierarquicamente. O logotipo da empresa, o símbolo de radioatividade, traz a questão da contaminação como uma consequente transformação pessoal devido à necessidade da empresa. Abdicando excessivamente de seu tempo de vida ilusoriamente para si mesmo.

Postagem em destaque

Biografia de Amedeo Modigliani

F oi como se tivesse vivido há muito tempo. Foi como se tivesse vivido muito tempo. Os dados que se têm de sua biografia mal dão conta do q...